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sábado, 9 de janeiro de 2010

A FORÇA REGIONAL DE ÁGUA DE CABAÇA POR ALEXANDRE SANTOS



De temática variada, Água de cabaça é um livro para se ler várias vezes, principalmente, por situar o leitor sergipano num espaço conhecido, já que a maioria das narrativas se passa na região de Itabaiana, município de onde procede o seu autor, o juiz federal Vladimir Souza Carvalho. A procedência dá às histórias um caráter memorialista, mas não autobiográfico, se bem que é possível perceber aqui e ali as andanças do autor em sua região de origem.
Não é surpreendente a capacidade do autor de resgatar as “estórias” regionalistas, que enriquecem a oralidade literária sergipana, principalmente, numa época afeita às narrativas urbanas, visto que em outras obras suas, essa tendência já se fazia sentir. Pesquisador, agudo observador da vida comunitária e patriarcal de Itabaiana, Vladimir, em Água de cabaça, revela-se um contador de “estórias”, no sentido roseano da expressão.
Percebe-se que a estrutura narrativa de suas 31 “estórias” guarda estreita relação com a realidade objetiva, o que reforça o caráter verossímil do que conta, e, até mesmo nas narrativas alegóricas, que, pelo poder de convencimento que apresentam, o leitor é levado a crer na “estória” que está lendo, como se os fatos tivessem mesmo acontecido, tal o poder de persuasão do narrador, do autor.
Do ponto de vista literário, Água de cabaça insere Vladimir na rica e consagrada Literatura regionalista brasileira, não só pela captação da atmosfera rural, mas por uma linguagem experimental, eivada de
Os contos que compõem o livro Água de cabaça são regionalistas, tanto do ponto de vista temático quanto do ponto de vista da linguagem. Entretanto, o regionalismo não impede que algumas narrativas abordem situações universais e atemporais, o que contribui para a diversidade temática da obra e até mesmo lingüística.
O livro se abre com o conto O Retorno, uma paráfrase do discurso bíblico da volta de Jesus Cristo ao mundo e se fecha com Lugar na missa, uma crítica contundente à intolerância eclesiástica. Em ambos, percebe-se uma reflexão sobre a Igreja pelo seu dogmatismo. Entre um e outro, há mais 29 contos, ou estórias para reforçar o caráter oral das narrativas.
Mas o grande tema da maioria desses contos é o erotismo, como símbolo de liberdade e desalienação, conforme acontece em O encontro; castrador da felicidade humana, como aparece em Jantar; ou apenas como ato instintivo, primário, natural, como em Areia no prato e O Ato.
A violência, o coronelismo, a pistolagem, a vingança, também são temas abordados por vários contos, retratando uma sociedade patriarcal, machista e sobretudo dominada por códigos primitivos de convivência, em que sempre prevalece a lei do mais forte. A Boneca, Piedade e Gato e Lagartixa fazem essa abordagem.
Em outros contos aparecem o misticismo, o amor platônico, o sonho, a felicidade, o desejo de descoberta, como em Capricha no pastel, Aparício, um hino à amizade e à simplicidade, à autenticidade, como forma de convivência pacífica entre os seres humanos.
Mas os contos de Água de Cabaça captam um momento de transição, de transformação, ocorrido no interior de uma sociedade fadada a desaparecer, mas que teima em resistir, a sociedade rural patriarcal, e é, nessa captação desse momento, que reside a riqueza da obra.
Nesses termos, o conto Conexão é o mais emblemático. A sociedade capitalista, tecnológica, com seu racionalismo, aparece como “uma engrenagem monstruosa”, pronta para devorar a tudo e a todos, invadindo um espaço ainda dominado pelo primitivo, pelo místico, pelo sobrenatural.
A linguagem do autor empregada na maioria dos contos é correta do ponto de vista gramatical, revelando um estilo clássico, se bem que a temática da maioria dos contos seja regionalista. A fusão da linguagem clássica com as expressões orais, regionais e de cunho naturalista acaba tendo um efeito literário agradável, entretanto.
Frases curtas, nominais, orações coordenadas assindéticas, pouca subordinação, fazem o estilo objetivo das narrativas, e até mesmo quando o autor faz uso de metáforas inusitadas, comparações com elementos da natureza, percebe-se a plasticidade da linguagem. artifícios literários, que embelezam e dramatizam as “estórias” contadas.
Ler Água de cabaça é penetrar no rico cabedal cultural do interior sergipano e conhecer costumes que dão originalidade a um “modus vivendi” que ainda hoje teima em resistir.

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